Matriz de Santa das Flores
Fábrica da Baleia do Boqueirão antes da atual reabilitação em Museu.
A primeira tentativa de povoamento da ilha das Flores ocorreu por volta de 1480, na foz da Ribeira da Cruz, hoje no limite entre as freguesias da Caveira e da Lomba, quando o aventureiro flamengo Willem van der Hagen, depois aportuguesado para Guilherme da Silveira, fundou uma pequena colónia com o objectivo de encontrar metais, possivelmente estanho, de que a ilha se dizia rica, provavelmente por ser então identificada como uma das míticas ilhas Cassitérides. Tendo permanecido na ilha cerca de dez anos, em abrigos escavados nas falésias da ribeira, desenganados quanto à riqueza mineral, os colonos acabaram por trocar as Flores pela ilha de São Jorge, onde foram fundar a Vila do Topo.
A segunda tentativa terá ocorrido entre 1508 e 1510, ao que parece na costa da actual freguesia e vila de Santa Cruz, mas muito provavelmente através da instalação simultânea de colonos em Santa Cruz, nas Lajes e em Ponta Delgada. Foi a partir desta leva, que de facto iniciou a ocupação humana permanente da ilha, que veio a nascer a hoje vila de Santa Cruz.
Outro aspecto que modelou e distinguiu a vila de Santa Cruz, contribuindo para a sua primazia no contexto do Grupo Ocidental, foi a instalação de um convento franciscano, a única instituição religiosa do género que existiu naquelas ilhas. O Convento de São Boaventura, actual sede do Museu das Flores, começou a ser construído em 1642, ao que parece fruto de um voto feito pelo padre Inácio Coelho, natural das Flores, aquando do feliz sucesso da Restauração da Independência portuguesa de 1640. A sua igreja possui altares barrocos e tecto em madeira de cedro-do-mato em têmpera de grande valor artístico.
Os franciscanos tiveram nos Açores uma enorme influência no moldar do carácter das gentes, com destaque para a manutenção do culto do Divino Espírito Santo, assumindo quase em exclusivo as funções educativas. Onde se fundava um convento franciscano surgia de imediato as cadeiras de primeiras letras e de gramática latina. Foi o que aconteceu em Santa Cruz, criando o embrião daquilo que a partir da reforma pombalina seriam as escolas régias, a primeira das quais surgiu em Santa Cruz com a chegada, em 1792, de um professor de gramática latina e outro de primeiras letras. Contudo, esta foi melhoria de pouca dura, pois ao fim do triénio a que estavam obrigados, os professores abandonaram o lugar, que ficou vago durante muito anos por falta de opositores. Face a essa situação, voltaram a ser os franciscanos, e o seu Convento de São Boaventura, o único recurso educativo existente na ilha.
Na fase de transição do ensino franciscano para o ensino público, um professor notável foi o padre José António Camões, por sinal filho de um dos frades de São Boaventura, que entre 1797 e 1807 exerceu de forma intermitente e em diversas capacidades o cargo de professor de gramática latina na vila de Santa Cruz, sendo o único da ilha. José António Camões regressou ao lugar em 1815, permanecendo como professor régio de latim atá à sua morte em 1827.
Santa Cruz manteve-se como a única povoação dotada de escola até à segunda metade do século XIX, consolidado assim a sua posição como capital das ilhas ocidentais, já que as elites necessariamente tinham que enviar os seus filhos para a vila, o mesmo acontecendo com os aspirantes ao sacerdócio. Esta posição dominante em termos educativos mantém-se até aos nossos dias, já que apenas em Santa Cruz funciona uma escola secundária, instalada no moderno edifício da Escola Básica e Secundária das Flores. O estabelecimento de Santa Cruz tem como patrono o padre Maurício António de Freitas, o principal promotor da fundação do Externato da Imaculada Conceição, o primeiro estabelecimento a ministrar o ensino pós-primário na ilha das Flores após a extinção das aulas de gramática latina.
O Externato da Imaculada Conceição foi fundado em Outubro de 1959, como instituição de ensino particular não oficializado, ficando a funcionar na casa que pertencera ao poeta Roberto de Mesquita. Foi transferida mais tarde para o antigo Convento de São Boaventura e transformada, já nos anos de 1980, em escola da rede pública, dotada de instalações próprias. Foi assim a instituição antecessora directa da actual Escola Básica e Secundária das Flores.
O Convento de São Boaventura albergou, e alberga ainda, o único hospital (hoje Centro de Saúde) de toda a ilha. O Hospital de Santa cruz das Flores foi fundado em 1878, por iniciativa de António Vicente Peixoto Pimentel (1827 – 1881), filho segundo de uma casa de morgados florentinos herdeiros do vínculo instituído pelo padre Inácio Coelho em 1642, o mesmo que fundara o Convento de São Boaventura.
Face à necessidade de encontrar um imóvel que albergasse o hospital, foi escolhido o antigo convento, vazio após os franciscanos terem sido expulsos em 1834 e então propriedade de Francisco da Cruz Silva e Reis, que o havia adquirido em hasta pública. Adquirido o imóvel, por Decreto de 30 de Julho de 1877 foi o mesmo entregue à Santa Casa da Misericórdia de Santa Cruz das Flores, para hospital e asilo da infância desvalida. Através de uma incessante campanha de angariação de fundos, conduzida por Peixoto Pimentel a partir de Lisboa, onde se fixara, parte do convento foi demolida e uma nova ala construída e equipada para servir de hospital para as ilhas das Flores e Corvo. O hospital entrou em funcionamento em 1881, no ano em que faleceu o seu fundador.
Encerrado durante alguns anos na década de 1940, reabriu em 1945, mas então com graves deficiências face à evolução tecnológica que se verificara. Um novo fôlego apenas surgirá quando se estabeleceu nas Flores a Estação Francesa de Telemedidas, sendo então demolida uma parte do convento e construído, paredes-meias, um edifício completamente novo, à época um dos mais modernos dos Açores, dotado com equipamentos e condições técnicas ímpares. Para além dos médicos locais, ali trabalharam médicos militares franceses que trouxeram formas de tratamento nunca sonhadas pelos florentinos. Com equipamento cirúrgico avançado, foi durante algumas décadas o melhor hospital dos Açores, realizando localmente cirurgias complexas.
A actual Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição teve a sua construção iniciada nos últimos anos do século XVIII, depois de ter falhado uma tentativa de transferir a Matriz para a zona nascente da Praça do Município (actual Praça Marquês do Pombal), gorada pela existência de um lençol freático muito superficial que impedia a feitura de fundações seguras. A construção apenas terminaria em 1859, pois foram muitas as dificuldades enfrentadas para financiar a colossal obra, a qual teve mesmo de ser simplificada, designadamente no que respeita à parte superior do frontispício para poupar na despesa. Ainda assim, a Matriz de Santa Cruz, hoje imóvel classificado de interesse público, tem uma das mais imponentes fachadas dos Açores.